Arquivos do Blog

Poema: O Andarilho de Calças Compridas

O Andarilho de Calças Compridas

 

O Andarilho de Calças Compridas 

 

Somente aos doze entendeu que não era o centro do mundo,

o alarme demorou a soar, mas bateu bem fundo.

Ficou muito tempo andando de bermudas, por aqui ou por ali,

mas realmente nunca soube a direção que deveria seguir.

 

Tentativa e erro, medo e frustração,

preferia se isolar junto à multidão.

Era um cara normal em meio àqueles vultos,

que logo se afastava, quando pressentia tumultos.

 

Vazio, leve e solitário, andava só pelas ruas de seu bairro.

Apenas uma coisa o impedia de seguir o seu caminho:

aquele velho semáforo perto do moinho.

Parava sempre no mesmo lugar, esticava o pescoço e buscava algo em que se apoiar.

“Todos conseguem”, ele pensava. Travar ali, o atormentava

“Por que não consigo atravessar esse farol?”

Talvez porque ninguém consiga ver a luz do sol.

 

Trocou, então, as bermudas por calças compridas

Elas cobriam bem as pernas, mas machucavam suas feridas

Ainda assim, podia andar pra todo lado mesmo sem sair do lugar.

E imaginava que um dia, o farol, conseguiria atravessar.

 

Aos poucos, suas calças desbotaram.

De tanto usar, finalmente as fibras se rasgaram.

Tentou cobrir as pernas desnudas com alguns trapos e panos

que guardava em sua gaveta por todos esses anos.

 

Parecia que estava de bermudas novamente.

O alarme começou a soar mais uma vez em sua mente.

 

Era hora de ir. Saiu correndo, com medo e envergonhado,

sem perceber o caminho que tinha tomado.

Parou em frente ao farol e pensou que chegara o momento de atravessar

Respirou fundo, contou cinco passos e começou a andar

Mas era tarde demais, ninguém apareceu

As trevas surgiram e logo anoiteceu.

 

A calça comprida não conseguirá remendar.

As velhas feridas se abriram e vieram pra ficar.

 

Vinícius Urbani